Polícia

Guerra entre milícias já deixou ao menos 7 mortos após prisão de Zinho; entenda disputa por territórios

Antonio da Silva Braga, o Zinho, se entregou à Polícia Federal, na véspera de Natal, ao menos sete pessoas morreram em ataques na Zona Oeste e na Baixada Fluminense. A detenção do líder da maior milícia do Rio, que era procurado desde 2018, colocou um ponto de interrogação no jogo de forças da guerra das milícias no estado e intensificou disputas entre grupos paramilitares pelo controle territorial.

Neste contexto, a morte mais recente foi a de Sérgio Rodrigues da Costa, conhecido como Sérgio Bomba. Investigado por chefiar uma milícia em Sepetiba, Zona Oeste do Rio, ele foi assassinado na noite deste domingo em um quiosque na orla do Recreio dos Bandeirantes. O Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio estava investigando a participação de Sérgio Bomba na guerra da milícia em Sepetiba. A disputa poderia ser contra Rui Paulo Gonçalves Estevão, o Pipito, braço direito de Zinho.

Briga pelo ‘espólio’ de Zinho

Ao se entregar na sede da PF, Zinho não deixou um sucessor. Pelo menos seis comparsas teriam dividido sua área de atuação — partes da Zona Oeste e da Baixada. Quem sucedê-lo no comando da maior milícia do Rio vai controlar um faturamento anual estimado pela polícia em torno de R$ 120 milhões. O dinheiro é obtido com a exploração de negócios ilegais na Zona Oeste, como extorsões, venda clandestina de sinal de TV a cabo e cobranças de taxas de segurança e de pedágio para vans.

Os negócios da milícia

Investigações policiais revelam que ainda há incerteza sobre quem será o novo número 1 na hierarquia da quadrilha. Algumas comunidades já estariam sendo comandadas por subordinados de Zinho, numa espécie de loteamento temporário, para evitar disputas internas como a que acometeu o grupo paramilitar comandado por Danilo Dias Lima, o Danilo Tandera.

A crise na milícia teve como estopim a sucessão pelo controle após a morte, em 2021, de Wellington da Silva Braga, o Ecko — irmão de Zinho e seu antecessor no controle do bando. Com a morte da chefia do bando, Zinho, que até então atuava como uma espécie de “gerente de finanças” do grupo, e Tandera subiram de hierarquia e postularam a chefia da organização criminosa. Tandera foi um dos responsáveis pela expansão da milícia em direção à Baixada. Logo após, no entanto, a quadrilha se dividiu: Zinho ficou com a Zona Oeste, e Tandera, com Nova Iguaçu e Seropédica. Com o racha, os dois grupos passaram a se atacar.

Tandera perde territórios

Inimigo de Zinho, Tandera perdeu territórios para ex-aliados em Nova Iguaçu e Seropédica, na Baixada Fluminense, em 2022. Na ocasião, ele abandonou a região em que atuava para fugir da polícia, após a morte do irmão Delso Lima Neto, o Delsinho, baleado em agosto daquele ano, em meio a uma operação policial. Um dos beneficiados com o loteamento seria Rui Paulo Gonçalves Estevão, o Pipito.

Escolhido por Zinho para ser seu novo braço armado e substituir o sobrinho Matheus da Silva Rezende (o Faustão, morto por policiais civis, em outubro), Pipito já estaria administrando para a milícia territórios da Favela de Antares, em Santa Cruz. Ainda no mesmo bairro, o miliciano Tizal seria o encarregado de cuidar provisoriamente dos negócios na comunidade dos Jesuítas. Já em Campo Grande, o escolhido para administrar temporariamente os assuntos do grupo paramilitar na Favela da Carobinha seria um miliciano conhecido pelo apelido de Cara de Égua.

Informações recebidas pela polícia dão conta de que, horas após Luís Antônio da Silva Braga ter se apresentado à PF, oito carros com milicianos armados de fuzis teriam sido vistos rodando na noite de Natal próximo ao K-32, em Nova Iguaçu. A região, que fica próxima à divisa com a Zona Oeste do Rio, tem negócios irregulares da milícia explorados pela quadrilha de Gilson Ingrácio de Souza Junior, o Juninho Varão.

Ele não é o único inimigo de Zinho na Baixada Fluminense. No município de Seropédica, também localizado próximo à Zona Oeste, o miliciano Tubarão é o chefe de um grupo paramilitar que explora os negócios irregulares em bairros da cidade. Tanto Tubarão como Juninho Varão são ex-aliados de Luís Antônio da Silva Braga e atuais rivais do grupo de Zinho.

Ao menos 7 mortes em guerra de milícias

Além de Sérgio Bomba, morto a tiros no domingo (22), pelo menos outras seis pessoas morreram na disputa por territórios desde a prisão de Zinho.

Em dezembro, um ataque a tiros em um bar deixou dois mortos e um ferido em Seropédica, na Baixada Fluminense. Testemunhas contaram que um carro com homens armados passou atirando contra o bar. O caso foi registrado na Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, que investiga a motivação do crime. Os mortos foram Amarildo Rodrigues Salles, de 58 anos, e Lucas Zulche Suhet Salles, de 28 anos. O nome do ferido não foi divulgado.

Também morreu em dezembro o filho do miliciano Antônio Carlos dos Santos Pinto, o Pit, de 44 anos, apontado como braço direito de Zinho. O garoto, de apenas 9 anos, estava no carro do pai quando ele foi emboscado e morto a tiros na comunidade Três Pontes, em Paciência, na Zona Oeste do Rio. Pit também não resistiu aos ferimentos.

De acordo com as investigações, Pit era um dos responsáveis pelas finanças do grupo de Zinho, que se entregou no último domingo. Ele possuía duas anotações criminais uma por formação de quadrilha e outra por porte de arma. A Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) está investigando o crime.

Na mesma manhã, outro corpo foi encontrado em um carro próximo ao local da morte de Pit. A polícia aponta que a vítima também é ligada ao grupo de Zinho.

Já o miliciano Jairo Batista Freire, conhecido como Caveira, era apontado como um dos homens de confiança de Zinho. Ele foi morto este mês na comunidade Três Pontes, em Paciência, na Zona Oeste. A região faz parte dos territórios dominados pelo maior grupo paramilitar do estado, até então comandado por Zinho. Desde a prisão do chefe da quadrilha, após se entregar à polícia na véspera de Natal, Caveira estaria auxiliando no comando dos negócios da organização criminosa.

Após a prisão de Zinho, o miliciano — que era apontado como o braço operacional da quadrilha — foi apontado como possível sucessor do bando. Caveira é considerado um dos mais violentos homens do grupo paramilitar.

Como a prisão de Zinho mudou guerra entre milícias

A prisão do miliciano mais procurado do Rio, Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, pode mudar o jogo de forças na guerra entre grupos paramilitares que há mais de dois anos deixa um rastro de sangue e impacta a vida de milhões de moradores da Região Metropolitana fluminense. O chefe da maior milícia do Rio se entregou à Polícia Federal num momento em que sua quadrilha enfrenta o momento de maior fragilidade de sua história, num processo de fragmentação desde a morte de Ecko.

Com Zinho atrás das grades, a polícia não descarta a possibilidade de que rivais tentem se aproveitar em busca de tomar o comando das áreas em conflito na Zona Oeste da capital e na Baixada Fluminense. Trabalha-se ainda com a hipótese de que, antes de se entregar, o miliciano já tenha designado um sucessor — embora ainda não haja um consenso sobre quem estaria à frente dos negócios. E, por outro lado, segundo destacou o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, acredita-se que, preso, o paramilitar teria “muito a dizer”.

— Uma milícia como essa não se estabelece no Rio de Janeiro, dominando quase um terço do território da cidade, sem conexões poderosas. Então, o Zinho tem muito a dizer. E a gente espera que ele fale — comentou.

Até a prisão, o poderio de Zinho já teria começado a ruir por ele não ter mantido a quadrilha coesa após a morte de Ecko — baleado por policiais civis dentro de uma van, após ser capturado vivo. Anos antes, o outro irmão dele, Carlinhos Três Pontes, já tinha sido morto pela polícia.

Ecko havia fechado acordos bilaterais com outros paramilitares, num período marcado pela expansão do grupo pelo estado do Rio. Sem que Zinho tenha sustentado esse quadro, criminosos que ocupavam cargos de “gerentes” na antiga estrutura passaram, então, a reivindicar seu quinhão, em áreas como Jacarepaguá e Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste. Atualmente, pelo menos cinco grupos disputam o território que antes era dominado por Ecko.

Em paralelo, para continuar cobrando taxas em regiões como o Recreio, Zinho precisou fazer acordo com o Comando Vermelho, maior facção do tráfico do Rio — que também se aproveita da fragilidade para retomar antigos redutos.

Policiais encarregados de investigar o bandido apontam ainda três razões determinantes para Zinho ter se apresentado à polícia. A principal teria sido o revés representado pela Operação Batismo, da PF com o Ministério Público do Rio (MPRJ), em 18 de dezembro, que tinha como um dos alvos a deputada estadual Lúcia Helena Pinto de Barros, a Lucinha (PSD). Segundo a polícia, ela integraria o braço político da quadrilha. A análise de conversas telefônica indicam, segundo a PF, que ela era identificada como “madrinha” por integrantes da milícia.

Segundo ressaltam fontes, Zinho já havia sofrido outras duas derrotas. Uma delas seria a perda do seu sobrinho e principal braço armado do bando, Matheus da Silva Rezende, o Faustão ou Teteus. Ele foi morto numa troca de tiros com agentes da Polícia Civil, em 23 de outubro. Na ocasião, Zinho determinou a queima de 35 ônibus e de um trem, provocando caos na Zona Oeste carioca. Soma-se a isso o fato de, nos três meses anteriores à prisão, ele ter perdido três homens de confiança presos pela polícia, entre eles Delson Xavier de Oliveira, detido no fim de novembro, suspeito de ser o principal armeiro do grupo.

— A morte do Faustão e a Operação Batismo foram determinantes. E as perdas desarticularam o bando, que foi enfraquecido e poderia até sofrer com ações de ex-integrantes — disse um dos policiais que investigam o miliciano.

Nenhum dos antecessores de Zinho no comando da milícia, no entanto, conseguiu manter sua influência no grupo de dentro da cadeia. Todos os ex-chefes da quadrilha capturados foram enviados a presídios federais, tiveram os laços com o grupo cortados e rapidamente o vácuo de poder foi ocupado por um novo chefe.

Enquanto isso, o paramilitar responde a mais de uma dezena de processos que podem culminar em 200 anos de pena por crimes como homicídios, organização criminosa e corrupção ativa. As últimas operações revelaram que o grupo cobrava até para que construtoras de obras públicas e privadas atuassem na Zona Oeste. Agora, especialistas e policiais temem que a cena criminal da região, assim como na Baixada, possa acirrar conflitos. O EXTRA tentou, sem sucesso, contato com a defesa de Zinho. Fonte: Extra

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo