Moradores das comunidades de Campinho e Suzana, em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, protestaram na terça-feira (10) contra a fábrica da Coca-Cola instalada na região. A manifestação ocorreu durante audiência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O encontrou debateu os impactos do empreendimento no abastecimento de água das comunidades.
Segundo os moradores, o problema começou em 2015, com a exploração das águas subterrâneas do aquífero Cauê pela empresa Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Itabirito, para o abastecimento da Coca-Cola. Cerca de 1.000 famílias — 2.600 pessoas — estariam sendo impactadas.
Em nota, a Coca-Cola informou que a “unidade em Itabirito (MG) está em total conformidade com as licenças operacionais e ambientais necessárias para a execução de suas atividades”.
A nota ainda informa que a “a companhia mantém relação cliente-fornecedor com o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE Itabirito), concessionária municipal detentora das outorgas dos poços para abastecimento público, assim sendo, a Coca-Cola FEMSA Brasil, um dos seus consumidores”.
Em junho deste ano, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado com a participação do Ministério Público. O órgão não participou da audiência pública, justificando que “o tema foi amplamente debatido com a comunidade e celebrado termo que atende aos melhores interesses socioeambientais e comunitários”.
Representantes das comunidades, contudo, protestaram, dizendo não terem sido consultados ou informados sobre o acordo. Críticas também foram direcionadas ao Igam, o Instituto de Gestão das Águas.
Para Cláudio Bragança, uma das lideranças, a situação chegou ao limite. “Ficou desconfortável viver na comunidade, onde falta água até para tomar banho e isso tem provocado atritos entre vizinhos”.
Mariana Fernandes Lima, presidente da Associação de Moradores da Comunidade de Suzana, lamentou o fato de, até hoje, haver necessidade de uma mobilização pelo direito à água.
No entendimento de moradores e ambientalistas, bem como da deputada Beatriz Cerqueira (PT), autora do requerimento para a audiência na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável junto com a deputada Bella Gonçalves (Psol), o Igam já teria indícios suficientes sobre o impacto do empreendimento e deveria atuar de forma mais firme na situação.
“A gente pensava que o progresso iria nos ajudar. Mas, dois meses depois, já começamos a ver a redução no volume de água. Sem água, não podemos fazer eventos, feiras culturais já foram fechadas. As pessoas deixaram de criar porcos, galinhas, e não temos mais horta, que é o principal em uma vida no interior. Isso sem falar nos nossos empreendimentos e imóveis, que baixaram o valor”, relata a vice-presidente da Associação de Moradores da Comunidade de Campinho, Eliete do Carmo.
Segundo a ONG Abrace a Serra, que busca proteger a Serra da Moeda, após o início do bombeamento de água para a fábrica, houve redução de 75% no fluxo de água que abastece as comunidades de Campinho e Suzana. A organização também questiona a autorização dada para extrair água do aquífero Cauê.
“A outorga concedida pelo Igam foi para abastecimento público, da população. Essa estimativa não era para abastecimento empresarial. Não se imaginava, e não sei se o IGAM sabia, que ali iria se instalar uma empresa desse porte, cujo consumo é violentíssimo, muito maior que o da comunidade. Não é suficiente para abastecer as comunidades e a fábrica juntos. E a prioridade da água subterrânea é para abastecimento público, e não privado”, argumenta Ênio Araújo, presidente da ONG Abrace a Serra.
Impactos nas nascentes
O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) informou que estudos técnicos estão sendo feitos de forma anual desde 2019. Segundo o órgão, já foram detectados impactos sobre algumas nascentes, inclusive em comunidades de Brumadinho. Porém, ainda não há como confirmar que o problema ocorre devido ao empreendimento da Coca-Cola.
O geólogo Ronald Fleisher mostrou imagens de satélite sobre a posição da Coca-Cola em relação a nascentes na região, em apresentação na qual fez um histórico da situação.
“A empresa puxou a água e secou as nascentes”, resumiu o biólogo e ambientalista Gilson Reis, para quem ainda é preciso aprofundar apurações em torno da responsabilidade da empresa e dos órgãos e instâncias relacionados à situação.
Maria Antônia Aguiar, cooordenadora do Jurídico da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Brumadinho, disse que o licenciamento do empreendimento da Coca-Cola não foi feito pelo município. Conforme argumentou, a secretaria não figurou como parte do TAC que motivou os protestos na audiência, apenas intermediava entendimentos.
Segundo ela, o TAC veio para ser uma solução consensual dentro do inquérito civil público que corre em Brumadinho, para que a empresa Saee de Itabirito assegurasse, por exemplo, uma fonte regular de água para Campinho.
Pelo TAC, no prazo de 180 dias, deve ser revisto pela SAEE o plano de monitoramento de água. Foi dado ainda prazo de 365 dias para que outros estudos identifiquem alternativas técnicas de abastecimento complementar, de forma a minimizar impactos do bombeamento em nascentes da região.
Por sua vez, segundo Maria Antônia Aguiar, a Coca-Cola se obriga a providenciar a perfuração de poço de captação de água subterrânea para abastecer Campinho. Já o Município de Brumadinho se obriga a dar apoio técnico e operacional à viabilização do poço e à comprovação de sua viabilidade quanto à vazão adequada, cabendo à empresa arcar com os custos e com a instalação dos equipamentos necessários.
Trata-se, segundo observou, de uma operação assistida para operar, gerir e manter o sistema até que haja o repasse definitivo de uma rede de abastecimento que, segundo ela, é tratada no TAC.
Conforme inquérito sobre o caso, a Coca-Cola acertou garantir o abastecimento das comunidades por caminhão pipa até que houvesse uma rede de abastecimento, registrou ainda.
Isadora de Filippo, gerente de Regulação do Igam, disse que o instiututo é interveniente no TAC, tendo sido convidado a compor o acordo como avaliador de estudos técnicos. Segundo ela, esses estudos são anuais e estariam sendo feitos pelo menos desde 2019, devendo agora ser aprofundados, passando a usar a telemetria.
A tecnologia permite a medição de dados de forma remota e a comunicação de informações entre sistemas. No caso, os dados irão diretamente para o Igam.
Contudo, a representante do Igam admitiu que os estudos já feitos demonstram impactos sobre algumas nascentes, inclusive nas duas comunidades, os quais não detalhou.
Indagada sobre não ter havido atuação mais direta quanto ao empreendimento da Coca-Cola diante desses impactos verificados, Maria Antônia Aguiar disse que há situações em que os impactos são multifatoriais, não necessariamente causados por apenas um empreendimento.
“Por isso pedimos adensamento da rede de monitoramento, para cercar e quantificar a informação e entender melhor de onde está vindo o problema e conseguir caracterizar o fato”, argumentou ela.
Para Cléverson Vidigal, ambientalista e membro da ONG Abrace a Serra da Moeda, teria havido omissão do Igam ao dar outorga de água para abastecer o empreendimento da Coca-Cola sem antes ter feito um estudo mais consistente. Segundo ele, mesmo com os problemas iniciados em 2015, a vazão de água dada à empresa foi aumentada recentemente em 35%, o que classificou como um contrassenso.
“Conforme o Ministério Público, está tudo resolvido e encaminhado, mas, na perspectiva das comunidades, não está. Estamos numa situção gravíssima, e o Igam trouxe informações genéricas”, também criticou a deputada Beatriz Cerqueira, anunciando como próximo passo uma visita técnica ao Igam para obter dados sobre estudos e providências.
RESPOSTA DA COCA-COLA
A Coca-Cola FEMSA Brasil afirma que sua unidade em Itabirito (MG) está em total conformidade com as licenças operacionais e ambientais necessárias para a execução de suas atividades. A companhia mantém relação cliente-fornecedor com o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE Itabirito), concessionária municipal detentora das outorgas dos poços para abastecimento público; assim sendo a Coca-Cola FEMSA Brasil um dos seus consumidores.
Em linha com seu compromisso ambiental e social, a empresa adota tecnologias avançadas para otimizar o uso de recursos hídricos em sua produção, utilizando sistemas eficientes de reaproveitamento e reuso de água, bem como implementa iniciativas para promover benefícios ambientais na região da Serra da Moeda. Esses esforços incluem programas de conscientização e preservação ambiental, visando a proteção dos recursos naturais e o engajamento com a comunidade local.
A Coca-Cola FEMSA Brasil reforça seu compromisso com o desenvolvimento sustentável das localidades em que atua.
RESPOSTA DA SAAE
O Saae de Itabirito esclarece que as captações, que atendem à região de Água Limpa, às margens da BR-040, fazem explotação tanto do aquífero Cauê quanto do Gandarela.
Essas captações subterrâneas são outorgadas pelo órgão ambiental estadual competente e para a obtenção da outorga, o Saae de Itabirito realizou vários estudos – incluindo o de capacidade hídrica subterrânea e de possíveis impactos.
No documento de outorga, foram definidas condicionantes que, desde o início da operação dos poços, o Saae vem cumprindo todas – sem exceção.
Ainda a respeito do assunto, o Saae, juntamente com outras partes, assinou o Termo de Compromisso com o Ministério Público e todas as obrigações previstas no documento estão sendo cumpridas.
E por fim é importante frisar que os sistemas de captação do Saae (na região de Água Limpa) atendem aos usuários das categorias residencial, comercial, pública e industrial.