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Polícia investiga morte de congolês no Rio

A Polícia Civil do Rio de Janeiro investiga a morte do imigrante congolês Moïse Kabamgabe, de 24 anos. Na terça-feira (1º), o proprietário do quiosque na Barra da Tijuca onde o jovem foi morto prestou depoimento. Um funcionário de um dos quiosques confessou participação no espancamento e morte. Nesta quarta-feira (02) a polícia pretende ouvir a família da vítima. Oito pessoas já foram ouvidas, entre elas, um representante da comunidade congolesa que ajudou a polícia com informações.

O congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, foi morto na segunda-feira, 24, próximo a um quiosque na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Moïse trabalhava por diárias no local servindo mesas na areia e, segundo parentes, pretendia tentar cobrar dois dias de pagamentos atrasados no dia em que foi morto. O assassinato foi descoberto pela família na terça (25) e Kabamgabe foi enterrado apenas no domingo (30).

Os parentes de Kabamgabe fizeram um protesto no sábado (29), na Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, e no domingo, no cemitério do Irajá, durante o enterro.

Kabamgabe nasceu no Congo, na África, e deixou o país em 2011 junto com familiares para fugir da guerra e da fome.

 

O crime

Segundo a família, Kabamgabe havia ido a um quiosque no Posto 8, na Barra da Tijuca, para cobrar o pagamento de dois dias que havia trabalhado e teria sido então espancado até a morte por cinco pessoas.

O congolês chegou a ter pés e mãos amarrados com um fio depois de sofrer uma sequência de agressões. O rapaz foi encontrado por policiais ainda preso, deitado ao chão já sem vida, em uma escada do estabelecimento.

O proprietário do quiosque Tropicália, situado no posto 8 da Praia da Barra, foi intimado pela Polícia Civil. De acordo com os investigadores, o comerciante, que não teve a identidade revelada, cedeu espontaneamente imagens das câmeras de segurança do estabelecimento.

“As investigações estão em andamento na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). Os agentes analisaram imagens de câmeras de segurança e estão, neste momento, em diligências para identificar e prender os autores do crime”, informou a Polícia Civil.

O vídeo, que está sendo analisado pela polícia, mostra pelo menos cinco pessoas participando das agressões contra Moïse. Até o momento, nenhum dos homens foi formalmente identificado. A DH já ouviu oito testemunhas, entre parentes do rapaz e frequentadores do local. Ninguém foi preso até agora. De acordo com o delegado Leandro Costa, responsável pela investigação do caso, “as imagens são nítidas”. No entanto, ele não passou detalhes do caso. A DHC enviou um ofício à embaixada da República Democrática do Congo em que afirma estar investigando a morte do rapaz com rigor.

Primo de Moïse, o autônomo Yannick Iluanga Kamanda, de 33 anos, conta ter visto as imagens. Segundo ele, o congolês foi atingido por socos, chutes e golpes com pedaços de madeira. O espancamento, que teria durado cerca de 15 minutos, continuou mesmo depois que a vítima ficou desacordada. Os parentes só descobriram a morte na manhã de terça-feira, 25, quase 12 horas após o crime.

“Primeiro, meu primo é visto reclamando, porque ele queria receber. Em determinado momento, os ânimos se acirraram, e um dos homens pega um pedaço de madeira. O meu primo corre para se defender com uma cadeira. Esse homem vai embora e, em seguida, volta com cinco pessoas, que pegam o meu primo na covardia. Um rapaz dá um mata-leão (golpe no pescoço), e os outros se revezam em bater”, relata Yannick.

De acordo com o relato do primo, o dia de trabalho no quiosque continuou, mesmo com a morte de Moïse. “Eles foram embora e ficou só o gerente do quiosque. E ele deitado no chão, como se nada estivesse acontecendo. Trabalhando, atendendo cliente. E o corpo lá”, afirmou.

Dois policiais militares do 31º BPM (Recreio), que atenderam à ocorrência contaram em depoimento na DHC, que testemunhas relataram “que dois homens perseguiram a vítima que fugia correndo pela areia, quando na subida do quiosque Tropicália, o mesmo foi alcançado, onde apanhou com um porrete, e a vítima gritava, pedindo para não o matarem”.

A perícia no corpo indicou que Moïse tinha várias “áreas hemorrágicas de contusão” e também vestígios de broncoaspiração de sangue. O atestado de óbito traz como causa da morte traumatismo do tórax, com contusão pulmonar causada por ação contundente.

O quiosque Tropicália passou o último fim de semana fechado. Já as redes sociais do estabelecimento foram excluídas ou se tornaram restritas desde que o caso veio à tona.

A mãe de Moïse, Ivana Lay, disse durante o enterro do jovem estar inconformada com o crime e que deseja justiça.  “Meu filho cresceu aqui, estudou aqui. Todos os amigos dele são brasileiros. Mas hoje é vergonha. Morreu no Brasil. Quero justiça”, afirmou.

 

FUNCIONÁRIO CONFESSA PARTICIPAÇÃO

Através de áudios gravados, o homem contou outra versão do ocorrido e garantiu que as imagens das câmeras de segurança vão poder confirmar tudo. Ele também negou que Moïse estivesse cobrando salários atrasados.

“Sou um dos envolvidos no caso do congolês na Barra da Tijuca. Ninguém quis tirar a vida de ninguém”, iniciou o funcionário no áudio. “Eu fiquei pra dormir no trabalho e tinha um cara ‘doidão’ de cerveja e drogas, causando terror. Estava arrumando o quiosque para fechar e ele tentou meter a mão numa cerveja e eu não deixei. Ele foi para o quiosque do lado, só que era de um senhor de idade. Aí a gente desceu para a areia e, quando ele voltou, tentou pegar a bolsa do ‘coroa’. Em seguida, pegou uma cadeira para dar na cabeça do ‘coroa’ e fomos para cima”, conta.

Na sequência, um dos agressores confirma que ele e outras duas pessoas, entre elas um segurança, começaram a bater em Moïse para defender o idoso. Ele também negou a participação de outras pessoas, ou policiais militares, na ação. O agressor contou que a intenção não era matar o jovem. “Não fomos pra matar, tanto que não batemos na cabeça, só demos uma ‘porradas’ nele e ele continuou falando, só que infelizmente não resistiu. Eu também não estava mais no momento em que amarraram ele. Não me julguem antes de ver o vídeo, fomos defender uma pessoa e aconteceu essa fatalidade”, disse.

O funcionário do quiosque na Barra da Tijuca disse ter tentado se entregar duas vezes à polícia, mas que por medo de sofrer represálias, ele recuou.

 

ALVARÁ PODE SER CASSADO

A prefeitura informou que, caso se confirme a participação ou conivência do concessionário/proprietário, a licença e concessão serão cassados.

O secretário de Fazenda e Planejamento do município Pedro Paulo disse que os órgãos fiscalizadores vão acompanhar de perto para tomar as medidas cabíveis: “É inaceitável que o espaço mais democrático dessa cidade possa ser concedido a alguém capaz de um ato tão brutal e desumano!” concluiu.

Fernand Umpapa, representante da comunidade congolesa, expressou sua indignação com o assassinato de Moïse. “Esse foi um caso que chocou todo mundo, não apenas na comunidade congolesa, mas qualquer pessoa com sensibilidade na comunidade brasileira”, afirmou Umpapa.

“Se pessoas veem um cão sendo agredido na rua, intervêm para defendê-lo. Mas o mesmo não acontece quando uma pessoa é agredida. Isso aconteceu com Moïse, que apanhou na praia, e ninguém veio ajudá-lo. Isso chocou todos os congoleses e africanos no Brasil, e acho que também chocou a comunidade negra do Brasil que está muito comovida com essa situação”.

O governador Cláudio Castro e o prefeito Eduardo Paes se manifestaram sobre o caso. “O assassinato do congolês Moïse Kabamgabe não ficará impune. A polícia está identificando os autores dessa barbárie. Vamos prender esses criminosos e dar uma resposta à família e à sociedade. A Secretaria de Assistência à Vítima vai procurar os parentes para dar o apoio necessário”, escreveu Castro.

“O assassinato de Moïse Kabamgabe é inaceitável e revoltante. Tenho a certeza de que as autoridades policiais atuarão com a prioridade e rigor necessários para nos trazer os devidos esclarecimentos e punir os responsáveis. A prefeitura acompanha o caso”; escreveu Paes.

 

 

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