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Pesquisa denuncia abusos e ilegalidades em audiências de custódia no Rio

Quase 70% das pessoas que tiveram prisão provisória decretada durante audiências de custódia no Rio de Janeiro eram suspeitas de crimes sem violência ou grave ameaça, como furto, tráfico de entorpecentes e receptação. Ou seja, casos em que o juiz poderia ter decidido por medidas alternativas ao cárcere – o que, de fato, só aconteceu em 33,5% do total. 

As informações são do Relatório “Prisão como regra: Ilegalidades e desafios das audiências de custódia no Rio de Janeiro” que será divulgado nesta quarta-feira (21) às 16 horas durante webinário. O levantamento denuncia a prioridade dada à decisão de privação de liberdade em 392 audiências de custódia, entre setembro e dezembro de 2018, na Central de Audiências de Custódia de Benfica, no Rio.

A pesquisa foi realizado pela organização Justiça Global, pelo IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) e o OBSAC-UFRJ (Observatório das Audiências de Custódia da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ).

Dentre os que foram presos, 34% relataram terem sofrido violência, com 64,7% destes informando que os maus-tratos começaram ainda na rua, no local da abordagem. Mesmo assim, não houve qualquer encaminhamento para apuração das denúncias por parte do Ministério Público ou de defensores em mais da metade (61%) dos casos de violência, diz a pesquisa.

A prisão preventiva foi decretada em 62,5% dos casos acompanhados, sugerindo que há contribuição importante desse tipo de medida para o fenômeno de encarceramento em massa.

Mais de dois terços dos casos acompanhados pelo relatório envolvem crimes praticados sem violência ou grave ameaça, os quais não precisam ter como resposta a privação de liberdade, seguno os pesquisadores.

O levantamento apurou que as justificativas mais comuns de magistrados para as prisões provisórias durante as audiências de custódia são “garantia da ordem pública” (95,0%); “assegurar a aplicação da lei penal” (85,5%); e “conveniência da instrução criminal” (69,0%), cujo objetivo é impedir que o acusado, por exemplo, destrua provas ou ameace testemunhas.

A pesquisadora da Justiça Global Monique Cruz explica que as audiências de custódia foram inseridas no Código de Processo Penal Brasileiro pela Lei 13.964, de 2019. “São uma importante vitória da sociedade civil brasileira articulada a setores progressistas de defensorias e outros órgãos públicos comprometidos com a garantia dos direitos fundamentais e o enfrentamento a uma agenda de encarceramento historicamente racista e seletiva”, diz Monique.

Nesta quarta-feira (21) o debate online vai contar com o pesquisador Geraldo Prado (UFRJ) e da ex-perita do Mecanismo Estadual para Prevenção e Combate à Tortura do Rio Patricia Oliveira. Participam também Junya Barletta e Isabella Lucena (Observatório das Audiências de Custódia – FND/UFRJ); Monique Cruz (Justiça Global) e Hugo Leonardo (IDDD). Para participar do seminário, é necessário se inscrever gratuitamente. Além do evento virtual, serão lançados três podcasts da Justiça Global tratando de temas do relatório. O primeiro episódio vai ao ar no dia 23, discutindo disfuncionalidades das audiências de custódia.

Jovens negros e mães

De acordo com o relatório, as pessoas que recebem decreto de prisão preventiva têm o mesmo perfil identificado no sistema carcerário brasileiro em geral: são em sua maioria, negras, jovens (entre 18 e 35 anos), pobres (com baixa ou nenhuma renda) e presas nas ruas. Em 361 audiências foram apresentados homens e em 30, mulheres, o que representa uma proporção de 92% para 8%.

Dessas 30 mulheres, 20 (66,7%) estavam grávidas e/ou tinham filhos menores de 12 anos – portanto, contavam com direito à prisão domiciliar. Mesmo assim, para dez delas foi decretada prisão preventiva, sendo que, em seis casos, o crime imputado sequer envolvia violência; em quatro, a acusação era de tráfico de drogas e em dois, de furto.

A substituição por prisão domiciliar foi autorizada em um único caso (acusação também de tráfico de drogas).

A professora Junya Barletta, coordenadora da pesquisa empírica pelo OBSAC-UFRJ, aponta que “além do automatismo empregado nas audiências e das ilegalidades, os dados coletados mostram que a conduta e a relação entre os atores era prejudicial à necessária imparcialidade do juiz”.

Capacitação necessária

Entre as ações recomendadas pelo relatório às instituições envolvidas nas audiências de custódia está promover capacitação e estabelecer mecanismos que garantam o efetivo e integral cumprimento da Resolução do Conselho Nacional de Justiça que trata do procedimento das audiências de custódia.

“As instituições precisam apurar e, quando necessário, se responsabilizar pelas condutas dos atores envolvidos nas ilegalidades e crimes que violam a dignidade das pessoas custodiadas durante as audiências”, avalia Hugo Leonardo, presidente do IDDD que desde 2015 monitora a implementação das audiências de
custódia no Brasil.

O documento sugere ainda a formação sobre relações raciais no Brasil e combate ao racismo estrutural, além de um curso de direitos humanos voltado para juízes, promotores, defensores públicos e demais autoridades que participam das audiências de custódia.

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