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‘Violência é tratada como uma forma de entretenimento’, diz delegada sobre grupos de ódio online

Polícia prendeu jovens que planejavam, pela internet, o assassinato

Três homens foram presos ontem por planejarem executar um homem em situação de rua. O crime seria transmitido ao vivo no Domingo de Páscoa, na plataforma Discord, em troca de dinheiro. Segundo a polícia, Caio Nicholas Augusto Coelho, de 18 anos, Kayke Sant Anna Franco, de 19, e Bruce Vaz de Oliveira, de 24, — que se apresentava como ativista ambiental nas redes e participava até de eventos internacionais — foram apontados como chefes do grupo. No pedido de prisão à Justiça, a delegada Maria Luiza Armínio Machado, da Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DCAV), diz que os integrantes organizavam atos que resultavam em “sofrimento físico e psicológico” e com ausência de empatia:

“Registros de conversas no servidor revelam uma alarmante banalização da violência, que é tratada como uma forma de entretenimento e é um meio para alcançar notoriedade dentro dessa subcultura tóxica”.

Além de tramar a execução, eles promoviam correntes de ódio na internet, principalmente contra negros, mulheres, adolescentes e animais. Entre os crimes, todos com viés de “entretenimento”, a polícia aponta maus-tratos a animais, indução à automutilação, racismo e estupro virtual (chantagear, constranger e divulgar imagens íntimas de vítimas na internet).

Crime em data específica

O crime contra o homem em situação de rua estava previsto para ontem em comemoração ao aniversário de Adolf Hitler. O secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, fez um alerta sobre o uso da internet:

— Cuidem dos seus filhos, vejam o que eles estão fazendo na internet. Esse é o tipo de crime em que o inimigo está dentro de casa interagindo com seus filhos. Quando você dá conta, já é tarde.

De acordo com Maria Luiza, o morador de rua seria alguém que o grupo encontraria perto de suas casas. Ela reforçou que Bruce Vaz, que mora com a mãe e não tem emprego fixo, é o nome por trás do servidor do Discord em que os crimes eram orquestrados.

— Bruce era o responsável por essa página, pelo servidor no Discord. Ele tinha ciência de quem acessava o perfil e participava das chamadas de vídeo, até porque os links de acesso eram passados para pessoas indicadas. Além do homem em situação de rua, eles planejavam matar um coelho nesta Páscoa — contou.

A delegada disse ainda que o homem era adepto de outras práticas cruéis:

— Ele costumava adotar gatos e dissecá-los. Na hora da prisão, uma carcaça de animal foi encontrada na casa dele. Quando chegamos ao local, a mãe não acreditou que o filho pudesse estar envolvido com casos do tipo. Já ele foi o tempo todo dissimulado.

Maria Luiza explicou que a operação foi deflagrada graças a uma informação recebida do Laboratório de Operações Cibernéticas, do Ministério da Justiça, na última sexta-feira:

— Eles já vinham sendo investigados. No entanto, na sexta-feira, surgiu um senso de urgência pela possibilidade do assassinato. A partir disso, conseguimos identificar quatro alvos. Desses quatro, dois são os responsáveis pela página: Bruce, o dono, e um adolescente de 17 anos.

Para administrar uma dessas páginas que disseminavam ódio, o usuário teria que fazer parte dela há tempos e acumular delitos.

— Isso significa que muito antes dos 17 esse menor já fazia parte desse tipo de ambiente. Caio e Kayke eram os que realizariam o atentado à pessoa em situação de rua — frisou a delegada.

A investigação não conseguiu definir quantos integrantes a organização criminosa tinha, já que cada reunião virtual no Discord contava com um número determinado de pessoas, explica a delegada:

— Tinha eventos que chegavam a 150 pessoas; outros, a 60.

A polícia afirma que os envolvidos no caso do fim de semana não têm relação com outros anteriores, entre eles o do dia 18 de fevereiro na Zona Oeste do Rio. Na ocasião, um adolescente de 17 anos foi apreendido após lançar dois coquetéis molotov em Ludierley Satyro José, de 46 anos, que dormia numa calçada da Avenida Geremário Dantas, no bairro do Pechincha. A cena foi transmitida ao vivo pelo Discord. A vítima teve queimaduras em 80% do corpo, mas sobreviveu. Um militar, Miguel Felipe dos Santos da Silva, de 20 anos, suspeito de planejar e filmar o ataque, foi preso.

A delegada afirma que o planejamento das ações acontece em páginas já conhecidas por quem se associa a este tipo de comunidade.

— A informação que a gente tem é que os membros deste servidor conhecem membros de outros servidores. Eles todos sabem em quais servidores essas práticas acontecem. Então, não são especificamente os mesmos membros, mas eles fazem parte de uma mesma comunidade — afirmou Maria Luiza, adiantando que a próxima fase da investigação será identificar quem doava dinheiro ao grupo.

O Discord informou, por nota, que “tem políticas rigorosas contra atividades que promovam discurso de ódio, incitação à violência e compartilhamento de conteúdo prejudicial”. A empresa afirma que assim que toma conhecimento de conteúdos desse tipo por meio de ferramentas de segurança ou por denúncias de usuários, toma “as medidas apropriadas, incluindo a remoção de conteúdo, banimento de usuários e o desligamento de servidores”.

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