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Pandemia do coronavírus expõe caos na Saúde do Rio

Com números da Covid-19 desastrosos, o Rio de Janeiro já registra a marca de 219.198 casos confirmados e 15.859 óbitos. No ranking da pandemia no Brasil, o Rio fica mal. É o terceiro com maior número de mortes, atrás apenas de São Paulo e Bahia. Além disso, o Estado é atingido por um vírus que torna ainda mais letal a pandemia da Covid-19: a corrupção na Saúde.

Enquanto pessoas morrem na fila de espera por um leito de UTI, os cofres do estado são saqueados em compras emergenciais suspeitas. A Polícia Civil e o Ministério Público investigam indícios de fraude na aquisição de mil respiradores, no valor de R$ 183 milhões. Apesar de o governo ter adiantado R$ 33 milhões, os aparelhos não chegaram. E fazem falta nos hospitais de campanha, que funcionam sem plena capacidade por falta de equipamentos.

Desde abril a Secretaria de Estado de Saúde tem seus integrantes envolvidos em escândalos, o que acabou por resultar na prisão do ex-subsecretário Gabriell Neves e do ex-secretário Edmar Santos.

Em cinco meses de pandemia, foram descobertos contratados fraudados com preços superfaturados, compras de equipamentos impróprios para combater a Covid-19, contratos com inconstâncias firmados com Organizações Sociais e hospitais de campanha que nunca saíram do papel.

Além disso, no início de junho, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) decidiu instaurar processo de impeachment contra Wilson Witzel, em tramitação na casa.

Confira as principais operações contra corrupção envolvendo o combate ao novo coronavírus:

Mercadores do Caos – A operação começou no início de maio e busca combater a organização criminosa que desviou mais de R$ 18 milhões do governo do Rio de Janeiro, destinados à compra de aparelhos respiradores pulmonares para tratamento de pacientes em estado grave portadores de covid-19. Os equipamentos foram comprados emergencialmente, sem licitação, mas passados 2 meses não foram entregues pelas empresas, nem o dinheiro devolvido aos cofres públicos.

Em junho, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), em conjunto com a Polícia Civil do Rio e o Ministério Público do Rio (MPRJ), cumpriram mais uma etapa da operação. Na ocasião, foram presos o superintendente de Orçamento e Finanças da Secretaria Estadual de Saúde, Carlos Frederico Verçosa Duboc. Ele estava em casa, em Niterói.

Outras 5 pessoas já haviam sido presas em etapas anteriores da Mercadores do Caos:

  • Gabriell Neves, subsecretário de Saúde do Estado, afastado da função antes da prisão;
  • Gustavo Borges, que sucedeu Gabriell na pasta, afastado depois da operação;
  • Aurino Filho, dono da A2A, uma empresa de informática que ganhou contrato para fornecer respiradores ao estado;
  • Cinthya Silva Neumann, sócia da Arc Fontoura, outra firma contratada;
  • Maurício Fontoura, controlador da Arc Fontoura e marido de Cinthya.

Operação Favorito – Em mais uma etapa da Lava Jato no RJ, a Polícia Federal prendeu em maio o ex-deputado estadual Paulo Melo, o empresário Mário Peixoto e outras três pessoas. Peixoto e Melo, que já foram sócios, acabaram presos porque surgiram indícios de que o grupo do empresário estava interessado em negócios nos hospitais de campanha do RJ.

Segundo as investigações, mesmo antes da contratação, planilhas de custos já estavam sendo confeccionadas — o que levantou a suspeita de fraudes no processo.

Peixoto é dono de empresas que celebraram diversos contratos, como o de fornecimento de mão de obra terceirizada, com os governos estadual — desde a gestão de Sérgio Cabral, cresceu durante o governo de Luiz Fernando Pezão e presta serviços ao governo de Wilson Witzel — e está em unidades do governo federal.

Operação Placebo – Agentes realizaram busca e apreensão em vários endereços ligados ao governador Wilson Witzel e à primeira-dama Helena Witzel, incluindo o Palácio Laranjeiras, residência oficial. Levaram celulares e computadores de ambos. Um dos motivos para a deflagração da operação foram os documentos apreendidos na Operação Favorito. Entre os quais um contrato entre o escritório de advocacia de Helena Witzel e a empresa DPAD Serviços Diagnósticos Ltda, que possui como sócio Alessandro de Araújo Duarte, apontado como operador do empresário Mário Peixoto. Wilson nega participação em desvios e acusou o presidente Jair Bolsonaro de usar a PF para perseguição política.

Esquemas aumenta caos na Saúde

Os crescentes escândalos de corrupção também se alia a outros fatores caóticos. A estrutura hospitalar para o tratamento de infectados tornou-se um retrato sombrio do sistema de saúde do Estado. Além disso, a maioria dos profissionais terceirizados das redes municipal e estadual de saúde, que atuam na linha de frente, estão sem receber salários.

O projeto de instalação de hospitais de campanha pelo governador Wilson Witzel também fracassou. Dos sete previstos, apenas o do Maracanã e o do município de São Gonçalo foram abertos. Os demais permanecem em atraso. O de São Gonçalo foi inaugurado somente em 18 de junho e com apenas parte dos leitos previstos. O Hospital de Campanha do Maracanã foi o primeiro a ser inaugurado, em 9 de maio. Tornou-se um símbolo do caos na saúde fluminense. Ao lado do famoso estádio de futebol, tem alta rotatividade de médicos, fisioterapeutas e enfermeiros. Também sofre com falta de medicamentos, equipamentos e material de segurança e conta com respiradores sucateados e quebrados.

“Quando eu fui acoplar um paciente que tinha chegado pelo Samu ao respirador, a máquina parou. Pegamos outra máquina com o mesmo problema e a seguinte também. Foram cinco máquinas quebradas. Na sexta máquina é que nós conseguimos acoplar. Esse paciente sobreviveu naquele plantão, mas veio a óbito depois. Não posso afirmar se foi por esse evento ou pela complexidade do paciente”, contou um fisioterapeuta de terapia intensiva que atua na unidade. Ele resiste às condições precárias do hospital desde a sua abertura, apesar do salário atrasado e de já ter tido que descansar no próprio carro por falta de vagas no local específico.

Outro problema no hospital é a falta de médicos experientes. “No meu primeiro plantão, em um domingo à noite, a médica da equipe tinha se formado na quarta-feira. Ela se formou dias antes para atuar num centro de terapia intensiva de uma doença nova e de alta complexidade. Estava com uma boa postura. O problema é que a equipe daquele dia era composta por dez médicos e os dez haviam se formado na quarta-feira. Não havia nenhum médico chefe, mais experiente”, relatou.

Uma anestesista residente de hospital público na cidade fez um plantão de 24 horas na unidade do Maracanã no fim de maio. Nunca mais voltou. Ela trabalhou na equipe de resposta rápida e entubava os pacientes graves. Assim como o fisioterapeuta, ela também dormiu no próprio carro. “O que mais me marcou foi a falta de medicações e de material para auxiliar na entubação. Se pegasse uma situação de via aérea difícil, seria quase impossível entubar o paciente. Não tinha videolaringoscópio, não tinha lâmina de laringoscópio mais adequada, não tinha guia. Para uma via aérea difícil, estávamos totalmente despreparados e eu torci nas 24 horas para não pegar uma situação dessa”, afirmou. A médica relatou que faltavam medicamentos como bloqueador neuromuscular, necessário para a entubação, e adrenalina, utilizado em casos de parada cardíaca.

Ela reforçou a carência de médicos experientes para orientar em situações de emergência e a falta de treinamento para o tratamento da covid-19. “Depois de algumas horas lá, eu já tinha certeza que não voltaria. Não fomos ensinados a curar todo mundo ou fazer todo mundo viver para sempre, mas saber que não estamos conseguindo ajudar nem usar todos os nossos recursos porque faltam coisas básicas e vemos morrer mais rápido do que deveria ou então evoluir pior do que deveria, não é confortável”.

Presidente do Conselho Regional de Fisioterapia do Rio de Janeiro, Wilen Heil e Silva afirmou ter recebido denúncias de uso de respiradores incompatíveis para covid-19, pois contaminavam o ambiente com o vírus. Houve ainda uma abrupta retirada de 30 respiradores novos, levados para o hospital de campanha de São Gonçalo. O Crefito chegou a fazer duas fiscalizações na unidade hospitalar. Encontrou até uma sala reservada a respiradores sucateados. “Foi uma situação muito precária que encontramos lá. Falta medicamentos, respiradores, equipamentos”, afirmou. O conselho precisou intervir para regularizar a carga horária dos fisioterapeutas e criticou o valor da remuneração, abaixo do piso da categoria. Após as fiscalizações, o Crefito enviou um relatório sobre as condições do hospital de campanha ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Após as denúncias de irregularidades na compra de equipamentos, o Governo do Rio afastou a empresa contratada para gerir as sete unidades hospitalares e anunciou que iria administrá-los diretamente através da Fundação Estadual de Saúde. A Secretaria da Saúde já está no terceiro titular da pasta desde o início da pandemia. Fernando Ferry, o último a deixar o cargo após um mês na função, saiu devido a pressões para manter os hospitais de campanha. Poucos dias antes, a secretaria publicou um documento recomendando o fechamento dos hospitais. O Estado, que sofre com dificuldades fiscais severas, pagaria um valor elevado pelos sete hospitais, de cerca de 900 milhões de reais no total. A taxa de ocupação dos hospitais de campanha baixou, mas os cientistas da UFRJ preveem aumento após as medidas de flexibilização.

Relatório da Alerj

Um relatório divulgado em junho sobre as inspeções feitas nos sete hospitais de campanha prometidos pelo governo do Rio mostra um quadro caótico das unidades. As inspeções foram feitas pelo deputado estadual Renan Ferreirinha (PSB), relator da Comissão de Fiscalização de Gastos no Combate à Covid-19 da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj). Durante quase um mês de vistorias, o grupo apurou que o governo pagou R$ 256 milhões ao Iabas, mas a OS e a secretaria estadual de Saúde não informaram ainda como esse montante foi gasto, quanto cada item, por exemplo, custou aos cofres públicos.

DINHEIRO JOGADO FORA

Hospitais de campanha são desmontados antes mesmo de serem inaugurados

A decisão da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro de desmobilizar cinco hospitais de campanha montados para tratamento dos pacientes com covid-19 desde o dia 5 de agosto gerou indignação na população. No estado estava previsto o funcionamento de sete hospitais de campanha. Dois deles, as unidades de Casimiro de Abreu e Campos dos Goytacazes tiveram a montagem interrompida no início do mês. Os hospitais de Nova Friburgo, Duque de Caxias e Nova Iguaçu, estavam funcionando como retaguarda para o caso de aumento da demanda. Apenas os hospitais de campanha do Maracanã e São Gonçalo entraram em funcionamento, recebendo pacientes.

Após meses de atraso para ser entregue, as unidades de Campos dos Goytacazes e Casimiro de Abreu, tiveram as suas estruturas desmontadas antes mesmo de serem inauguradas. Tanto em Casimiro de Abreu quanto em Campos dos Goytacazes, caso haja necessidade de ampliar os leitos de atendimento dos pacientes com Covid-19, a Secretaria Estadual de Saúde afirmou que planeja pactuar a utilização de leitos na rede privada de saúde. As negociações já foram iniciadas para realizar este acordo.

Segundo o secretário de Saúde do Rio de Janeiro, Alex Bousquet, o desmonte vai proporcionar uma economia de R$ 500 milhões no contrato com Iabas, que tinha valor inicial de R$ 835 milhões e foi revisto para R$ 770 milhões. Segundo a Secretaria, do total firmado, o Iabas recebeu R$ 256 milhões. O valor repassado já seria, segundo a secretaria, suficiente para a desmontagem.

“Desde o início, o planejamento de leitos extras tinha início, meio e fim. Assim está acontecendo no mundo inteiro, onde dispositivos acessórios e auxiliares aos sistemas locais de saúde estão sendo desmobilizados e não seria diferente conosco”, diz Bousquet.

O modelo de adoção de hospitais de campanha foi muito criticado pela Comissão de Gastos com a Covid-19 da Assembleia Legislativo do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Segundo os parlamentares, houve um superdimensionamento da necessidade da implantação de 1,3 mil leitos previstos no contrato.

“Essa estratégia foi um desastre completo. Dos 400 leitos no Maracanã, nunca utilizaram mais de 200. Na unidade de São Gonçalo, que inicialmente teria 200 leitos, jamais usaram mais de 50 vagas”, argumentou o relator da comissão, Renan Ferreirinha (PSB).

Segundo o secretário, a adoção do modelo de hospitais de campanha foi decidida em janeiro, quando a pandemia ainda não havia chegado ao Brasil, mas já causava pânico mundial.

“Naquela ocasião, cada hospital foi planejado inicialmente para um número muito maior de leitos. No entanto, com 10 dias de gestão, entendemos que todas aquelas vagas não eram necessárias. Manter esses leitos abertos seria desperdício de dinheiro público”.

 

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