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Caso Marielle: terrenos irregulares serviram de moeda no crime

Segundo PF, os irmãos Brazão prometeram a Ronnie Lessa terras na Praça Seca. O matador, por sua vez, acenou ao comparsa Élcio de Queiroz com lotes invadidos na Barra

A exploração de terras para construção irregular na Zona Oeste do Rio é apontada pela Polícia Federal em dois contextos no relatório que aponta os irmãos Brazão como mandantes dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes: aparece, ao mesmo tempo, como motivação para o crime e forma de pagamento por sua execução. Em sua delação premiada, Ronnie Lessa, acusado de atirar contra as vítimas, disse que foram prometidos a ele lotes de terrenos na Praça Seca, área de atuação do clã. Para Élcio de Queiroz, que dirigiu o Cobalt prata usado pelos criminosos, a recompensa viria através de terrenos que seriam invadidos na Barra da Tijuca.

Segundo o relatório da PF, Élcio de Queiroz teria participado do crime sem antes acertar um pagamento. Sete meses depois, Ronnie Lessa fazia planos de invadir um terreno vizinho ao shopping Uptown, próximo à Gardênia Azul, e prometeu remunerar o comparsa com lotes na região. O terreno é da prefeitura: originalmente, a área era reservada para a construção de uma nova rua, e chegou a ser ocupada, mas o município conseguiu retirar os invasores. Nos últimos anos, a comunidade da Gardênia se expandiu e está cada vez mais próxima. Documentos obtidos pelo GLOBO mostram que, diante desse cenário, a prefeitura decidiu vender o imóvel para particulares. O processo administrativo está em andamento.

A oferta de terras para Ronnie Lessa na Praça Seca teria sido feita pelo deputado federal Chiquinho Brazão (União-RJ) e pelo conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) Domingos Brazão. Para o matador, o pagamento viria na forma de terrenos na Rua Comandante Luís Souto e na Estrada da Chácara, no bairro da Praça Seca. A área, contígua a Vila Valqueire e à Comunidade da Chacrinha, é ocupada por grupos milicianos e tem extensão de 31,2 hectares, o equivalente a 30 campos de futebol.

O sonho da milícia própria

Na delação, Lessa contou que queria deixar de atuar em Rio das Pedras, região controlada pelo miliciano Adriano da Nóbrega, para ter seus próprios domínios. No terreno de grandes dimensões, ele calculava que o maior retorno viria da exploração de serviços, como gatonet, após a construção de moradias.

“(Lessa) ressaltou que, pelas dimensões das terras, se tratava de uma empreitada milionária. Contudo, asseverou que o maior atrativo da iniciativa residia na exploração dos serviços típicos de milícia decorrentes da ocupação dos loteamentos, como exploração de “gatonet”, gás, transporte alternativo, dentre outros, pelos quais o colaborador e seu comparsa seriam os responsáveis”, diz trecho do relatório.

Ontem, uma equipe do GLOBO esteve no local e constatou que a área apontada por Ronnie Lessa foi desmatada. Sua entrada, pela Estrada da Chácara, dá acesso à comunidade da Chacrinha — alvo de disputas entre a milícia e o tráfico. Uma estrada de terra, aberta na altura do número 780 da Rua Comandante Luís Souto, leva ao segundo loteamento. Imagens do Google Street View, de fevereiro do ano passado, mostram a região ainda coberta de mata. Hoje, na encosta do morro, vigiada por grupos armados, podem ser observadas casas construídas e habitadas.

Segundo a PF, o terreno pertencia a uma empresa que foi liquidada em 2008. Procurado, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) alega que a fiscalização na área é responsabilidade da prefeitura do Rio — que, por sua vez, informa que está levantando informações sobre o terreno.

Grilagem na Zona Oeste

A grilagem de terras é prática antiga da milícia do Rio, sobretudo na Zona Oeste, onde os grupos criminosos se expandiram. Segundo a Central 1746, desde 2021 foram feitas 110 denúncias sobre construção irregular em cinco bairros: Recreio dos Bandeirantes, Barra, Vargem Grande, Vargem Pequena e Praça Seca. No mesmo período, 3,3 mil demolições foram feitas pela secretaria de Ordem Pública em operações conjuntas com o Ministério Público do Rio. Dessas, 70% foram em áreas de atuação do crime organizado.

 

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