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CONSCIÊNCIA NEGRA: A LUTA PERSISTE

Inconformados com a situação dos negros no Brasil, um grupo de jovens propuseram, na Porto Alegre de 1971, que houvesse um dia no calendário para a população refletir sobre a questão racial. Foi na capital gaúcha que eles idealizaram o Dia da Consciência Negra, data que virou referência em todo o país.

Depois de árdua luta do movimento negro e a aprovação pelo Senado em 2003, o Dia da Consciência Negra entrou no calendário escolar a partir da sanção da Lei 10.639, de 2003, que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Oito anos depois, a então presidente Dilma Rousseff oficializou a data como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Mas o 20 de novembro só é feriado em locais com leis municipais ou estaduais específicas. Segundo informações da Agência Senado, cinco estados e mais de mil municípios brasileiros incluíram a data em seus calendários.

Se a batalha para consolidar uma data de reflexão e resistência negra no calendário nacional é resultado de um processo de mais de 50 anos, a luta para destruir os alicerces de problemas estruturais que se arrastam desde o período colonial é ainda mais árdua. O abismo social que separa negros e brancos desde o nascimento no Brasil a cada dia é exposto em números. Confira: 

Negros são vítimas de 80% das mortes violentas de jovens

Um adolescente negro com idade entre 15 e 19 anos, morto por arma de fogo, é o perfil de vítima mais comum entre as 34.918 mortes violentas de crianças e jovens no Brasil nos últimos cinco anos. Do total de mortes violentas nessa faixa etária, 80% das vítimas são pessoas negras.

O levantamento, divulgado em outubro deste ano, é do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) a partir de boletins de ocorrência registrados em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal entre 2016 e 2020.

O estudo mostra que as mortes violentas se concentram principalmente na adolescência: 31 mil do total das vítimas têm entre 15 e 19 anos. Deste total, 25.592 (ou 80%) são pessoas negras. Ampliando a análise para crianças a partir de 10 anos, a maioria das vítimas é do sexo masculino (91%) e alvo de armas de fogo (83%) em casos de homicídio doloso, feminicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes em decorrência de intervenção policial.

Segundo o estudo, cerca de 90% das mortes violentas são homicídios dolosos.

No caso dos meninos, conforme a idade avança, aumenta a proporção de mortos pela polícia, chegando a 16% dos casos de mortes violentas entre 10 e 19 anos em 2020.

Embora negros sejam 53% da população brasileira, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a proporção de jovens negros com mortes violentas segue a alta tendência nacional para qualquer idade.

O último Atlas da Violência, também produzido pelo Fórum, em parceria com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), aponta que negros são 75,7% das vítimas de homicídios no Brasil.

DESIGUALDADE ALAVANCADA PELA PANDEMIA

Pesquisa mostra que estudantes negros foram mais afetados

A pesquisa Educação não Presencial na Perspectiva dos Estudantes e suas Famílias revelou que estudantes negros mais pobres sofreram mais com impactos negativos durante a pandemia de covid-19 no país. No período de escolas fechadas, este foi o grupo que mais demorou para ter acesso a atividades remotas e não conseguiu aumentar o acesso a computadores com internet.

A análise foi feita pela Plano CDE com base nos dados de pesquisa Datafolha, encomendada por Itaú Social, Fundação Lemann e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre maio de 2020 e setembro de 2021, que entrevistou com pais e responsáveis por crianças e adolescentes da rede pública.

Nos dois recortes de renda analisados – até dois salários-mínimos e mais de dois salários-mínimos -, os estudantes negros foram os mais impactados negativamente no que se refere a acesso a atividades remotas, conectividade, medo de desistir dos estudos e reabertura de escolas.

Quando a questão é o acesso a atividades remotas, seja digital ou impresso, no início do período em que as escolas ficaram fechadas, o acesso a atividades remotas era desigual. Em maio de 2020, 79% dos estudantes brancos já tinham esse tipo de acesso, contra 70% dos alunos negros.

A proporção se revelou ainda pior quando considerada a classe social: 84% para estudantes brancos com renda de mais de dois salários-mínimos e 68% para os negros em famílias que recebem até dois salários-mínimos. Em setembro de 2021, houve queda na desigualdade de acesso a atividades remotas, sendo que 98% dos estudantes brancos tinham tal acesso ante 97% dos estudantes negros.

Conectividade

Em relação à conectividade, a desigualdade entre estudantes negros e brancos não diminuiu ao longo da pandemia. Dados de setembro de 2021 mostram que um estudante negro de renda familiar abaixo de dois salários-mínimos tem quatro vezes menos chance de ter em sua casa um computador com internet na comparação com um branco de renda familiar maior que dois salários-mínimos, são 21% contra 86%, respectivamente. Em maio de 2020, eram 23% ante 79%.

Evasão escolar

O medo dos pais com a evasão escolar cresceu em todas as dinâmicas familiares analisadas, entre maio de 2020 e setembro de 2021. No entanto, os dados sobre estudantes negros com renda de até dois salários-mínimos apresentaram desvantagem. Metade (50%) deles estava em risco de desistir dos estudos em setembro deste ano, enquanto, entre os brancos com renda de mais de dois salários-mínimos, esse número foi de 31%.

Nesse quesito, o gênero também influenciou os resultados, sendo que 47% de pais ou responsáveis por meninas negros de famílias mais pobres têm medo que os jovens desistam da escola, contra 36% para as meninas brancas com renda maior.

Em maio do ano passado, eram 37% dos pais e responsáveis de estudantes negros com renda de até dois salários-mínimos tinham medo que o jovem desistisse da escola, ante 13% para os estudantes brancos com renda de mais de dois salários-mínimos.

Reabertura de escolas

O processo de reabertura de escolas, que tem acelerado neste ano, também atingiu os grupos de forma desigual. Em setembro de 2021, 74% dos estudantes brancos contavam com suas escolas abertas, contra 63% dos negros.

Os números são ainda mais distantes quando considerada a classe social, sendo 53% para alunos negros com renda abaixo de dois salários-mínimos e 83% para os brancos com famílias acima de dois salários-mínimos.

Maior risco de morte

Pesquisa aponta que durante o período da pandemia de Covid-19, os negros têm risco de morte 9% maior do que os brancos. O estudo realizado pela UFMG avaliou as médias das mortes no Brasil nos últimos anos e fez uma estimativa para o ano de 2020.

De acordo com os pesquisadores, o país teve 187 mil mortes a mais do que o esperado, um aumento de 20,2%, causadas tanto pela Covid-19 quanto por outros problemas de saúde que não foram tratados.

Entre os brancos, o aumento no risco de morte foi de 15,1%, e entre os pretos e pardos, de 26,3%.

Dados do início de julho da plataforma LocalizaSUS mostravam que as mortes por doença respiratória durante a pandemia cresceram 71% entre os negros e 24,5% entre os brancos. Maioria da população, os negros receberam apenas 23% das vacinas contra a covid-19 no Brasil, o que pode ter atrasado o retorno ao mercado de trabalho.

Conforme informações do próprio Ministério da Saúde, os negros têm 40% mais chances de morrer de covid-19, pois estão mais expostos. Informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que eles representam 57% dos mortos pela doença, enquanto os brancos são 41%.

Segundo a pesquisa, o aumento acontece por uma série de fatores, como a maior dificuldade para ter acesso ao diagnóstico e tratamento da doença, menor taxa de teletrabalho entre os negros por conta dos cargos de trabalho e o maior número de comorbidades não tratadas.

Maioria que perdeu emprego

Dos 8,9 milhões de brasileiros que perderam ou deixaram de procurar emprego entre o 1º e o 2º semestre de 2020, 6,3 milhões eram negros, o equivalente a 71,4%. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) e foram compilados em um boletim especial do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgado nesta sexta-feira (19).

Carreira é mais difícil para 98% dos jornalistas negros, diz pesquisa

Mais da metade dos jornalistas negros participantes de pesquisa sobre Perfil Racial da Imprensa Brasileira afirmam que ocupam cargos operacionais nos veículos jornalísticos. São 60% jornalistas negros (pretos e pardos) em funções de repórter, redator, produtor, apresentador, entre outros. E apenas 40% do grupo ocupam cargos gerenciais.

Os dados foram divulgados na quarta-feira (17)) na semana do Dia da Consciência Negra. A data é comemorada em 20 de novembro desde 2011.

Levando em consideração que, nas redações, jornalistas brancos compõem 77,6% e profissionais negros, 20,1%, a proporção é:  6 para 1 em cargos gerenciais; e 2,2 para 1 em funções operacionais.

Segundo o estudo, os resultados indicam “a dificuldade de acesso dos profissionais negros aos patamares mais altos das redações brasileiras”. A pesquisa também aponta que, como os cargos de chefia são geralmente ocupados por pessoas brancas, isso reflete em parte na distribuição salarial.

Quase metade dos jornalistas negros (42%) recebem a faixa salarial mais básica, que é de até R$ 3.300. Os brancos configuram 23%. Na faixa de R$ 3.301 a R$ 7.700, os jornalistas brancos são a maioria, com 41%, contra 33% entre os negros.

 

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