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Com mesas memoráveis, edição online da Flip chega ao fim

A 19ª Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) chegou ao fim no último domingo (05). Foram 19 encontros em formato virtual, todos inspirados em plantas e florestas. O evento também revelou-se um enorme palanque para discussões mais amplas, envolvendo raça, cidadania, gênero, ancestralidade e política. De 27 de novembro e a 5 de dezembro, o evento ofereceu encontros memoráveis.

Segundo a organização, foram aproximadamente 50 mil visualizações do Programa Principal só na internet, sem contar a audiência na TV com a transmissão no canal Arte1 e das salas presenciais para comunidades locais, em Paraty e no Pará. “A Flip agradece a você que nos acompanhou ao longo desses dias, enriquecendo as conversas com sua presença e interações. Agradecemos também às nossas parcerias institucionais, patronos e doadores, fundamentais para a realização desse projeto, que completa 20 anos em 2022”, diz publicação na página oficial do evento nas redes sociais.

No sábado (04), o encontro reuniu a brasileira Conceição Evaristo e a americana Alice Walker, sob a mediação de Djamila Ribeiro. Unidas pela larga e tortuosa experiência de vida, as duas escritoras logo estabeleceram uma afetuosa conexão, como que unidas pela ancestralidade. Juntas, falaram sobre a forma com que se manifestam como mulheres negras. “Acredito que nosso principal trabalho é o de lembrar os motivos que explicam nossa existência nesse mundo a fim de florescermos com eles”, disse Alice, ressaltando que não deixou de ser atacada mesmo depois que seu principal livro, A Cor Púrpura, venceu o prêmio Pulitzer de ficção, o primeiro para uma autora negra.

Conceição logo emendou com uma bela frase: “A fala que prefacia os nossos textos é a de nossas ancestrais. Falar sem elas seria falar no vazio, são nossas vozes matrizes que, na maioria das vezes, se realizaram no silêncio. A gente pega esse silêncio e o transforma em gritos”. Lembrou ainda que aquele seu primeiro encontro com Alice se assemelhava à colheita de um plantio que levou tempo, mas rendeu frutos.

 

Arte do cultivo e escrita

Ainda no sábado, o escritor chileno Alejandro Zambra e a poeta mineira Ana Martins Marques, sob mediação de Rita Palmeira, traçaram um paralelo entre as artes de cultivo e de escrita. Ana Maria vê nos jardins uma “tentativa de aproximação, ao mesmo tempo uma certa consciência de fratura”. Já Zambra comparou o título de uma de suas principais obras, Bonsai, com a sensação de repressão ao escrevê-la. “Bonsai são árvores pequenas, reprimidas, o que as torna muito comoventes”, disse.

Ao longo da semana, a Flip foi marcada por encontros instigantes, com pronunciamentos importantes, especialmente em relação à importância do meio ambiente e sua constante degradação. “Nós, como autores, estamos dando um testemunho do nosso tempo e espaço. Viver seja no Brasil ou em Moçambique é viver num espaço onde a natureza faz parte da nossa vida de uma maneira muito intensa”, afirmou o escritor Itamar Vieira Junior. Já a canadense Margaret Atwood aposta em utopias para criar novos modelos de vivência que previnam mudanças climáticas. Tarefa a ser assumida pelos cidadãos, “que têm que avisar aos políticos que, se não agirem pelo meio ambiente, não vão ser eleitos”.

 

Encerramento

O encerramento contou com o aguardado e inédito encontro entre Ailton Krenak e Muniz Sodré, expoentes do pensamento indígena e afro-brasileiro, respectivamente.

Mediada pelo fundador da editora Malê, Vagner Amaro, a mesa teve como tema proposto as “Cartografias para adiar o fim do mundo”, que possam propor diferentes maneiras de abordar os desafios do país e do mundo daqui para frente — partindo da “dimensão do sensível”, como disse Sodré.

“Os humanos estão aceitando uma humilhante condição de consumir a terra, de comê-la”, apontou Krenak, autor de “Ideias para adiar o fim do mundo” e “O amanhã não está à venda”. “Entristecer o mundo parece ser a vontade do capital. O capitalismo quer fazer um mundo triste, monótono, para operarmos como robôs. Não podemos aceitar isso, estamos compartilhando o mundo com outros seres”.

A mesa anterior, batizada de “Metamorfoses”, reuniu a cantora e compositora Adriana Calcanhotto com o filósofo italiano Emanuele Coccia, cujo livro mais recente batizou o papo. No fim, a pedido dele e da mediadora Cecilia Cavalieri, Calcanhotto cantou uma canção. A escolhida foi “Amazonas 2”, de João Donato, Arnaldo Antunes e Péricles Cavalcanti, gravada em 2012 por Joyce Moreno e Donato.

 

A Flip 2021

Este ano, a Flip não teve um autor homenageado, mas um tema: “Nhe’éry, plantas e literatura”. “Nhe’éry” é como os guaranis chamam a Mata Atlântica e quer dizer “onde as águas se banham”. Conforme divulgado em agosto, em vez de um único autor homenageado, a festa será dedicada a pensadores indígenas mortos pela Covid-19, como o escritor Higino Tenório, o artista plástico Feliciano Lana, o líder guarani Domingos Venite, e a guardiã das plantas de cura do povo Mura, Maria de Lurdes.

Pela primeira vez, a Flip teve curadoria coletiva (uma “floresta curatorial”, nas palavras da direção), formada pelos antropólogos Hermano Vianna e João Paulo Lima Barreto, pelo escritor Evando Nascimento, pela editora Anna Dantes e pelo crítico literário Pedro Meira Monteiro.

Realizada virtualmente entre 27 de novembro a 5 de dezembro, a Flip foi transmitida pelo canal da festa literária no YouTube e as mesas de abertura e encerramento foram exibidas pelo Canal Arte 1. Também contou com salas de exibição em Paraty e em cidades paraenses graças a parcerias com instituições locais. Nas salas de exibição, foi mantido o distanciamento social e era obrigatório o uso de máscara.

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