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Ex-governador Pezão foi o primeiro a ser preso ainda no poder

Luiz Fernando Pezão (MDB) foi o quarto governador eleito do Rio de Janeiro a ser preso. O emedebista, no entanto, foi o primeiro a ser detido durante o exercício do mandato.

Pezão foi detido preventivamente pela Polícia Federal (PF) em novembro de 2018, quase no fim do mandato, dentro do Palácio das Laranjeiras, sede do governo do estado, em desdobramento da Operação Lava Jato.

O governador foi alvo de delação premiada de Carlos Miranda, suspeito de ser operador financeiro de esquemas de seu antecessor, Sérgio Cabral, de quem foi vice-governador. O delator acusou Pezão de receber mesadas de 150.000 reais entre 2007 a 2014, na época em que Pezão, então vice, era secretário de obras do governo estadual. De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), os valores somariam mais de 25 milhões de reais no período.

Em uma decisão da 8ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), o ex-governador foi condenado por improbidade administrativa e perdeu direitos políticos por cinco anos.

A pena prevê multa de 50 vezes da remuneração de Pezão, proibição de contratação e de recebimento de benefícios fiscais por três anos.

Pezão ficou preso no Complexo Prisional da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em Niterói, até o dia 11/12/2019, quando foi solto depois de uma decisão do STJ.

Votaram pela soltura os ministros Rogério Schietti, (relator), Nefi Cordeiro e Laurita Vaz. Os ministros Antonio Saldanha e Sebastião Reis Júnior se declararam impedidos – os motivos não foram tornados públicos.

No lugar da prisão, os ministros estipularam algumas medidas cautelares, entre elas, o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de deixar o RJ sem autorização judicial.

Durante seu governo, Pezão chegou a ser alvo de pedidos de impeachment, mas escapou de ter o mandato interrompido.

Pezão assumiu o cargo de governador em abril de 2014, após Sérgio Cabral renunciar ao cargo para se candidatar ao Senado Federal. Na época, a economia do estado já enfrentava sérios problemas e os governos de Cabral despencavam em avaliações da população.

Interrogado em fevereiro deste ano, após seu antecessor Sérgio Cabral acusá-lo de participação na organização criminosa que chefiou, Pezão negou todas acusações: da participação no esquema de propina e também de que recebeu R$ 400 milhões para a campanha à reeleição, como havia dito Cabral pouco antes.

O sucessor de Cabral também relembrou o momento em que foi preso – durante o mandato, pela primeira vez no estado. “Fiquei em estado de choque!”, disse ele.

“O senhor (juiz Marcelo Bretas) me desculpe o desabafo, mas é a primeira vez que tenho chance da falar. Fui tirado dali do Palácio Laranjeiras e jogado na cadeia. E minha família passando por isso tudo. É uma inverdade, uma mentira grande (o que o Cabral disse)”.

Pezão também fez questão de sublinhar o que considera contradições nos depoimentos do antecessor.

“Acabei de ver as reportagens. Cabral diz que Fetranspor me deu R$ 30 milhões. Há dias atrás, ele diz que eram R$ 20 milhões. Ele diz que minha campanha custou R$ 400 milhões. Ele que cuidou da campanha inteira!”, desabafou.

Pezão disse também que só conheceu a existência da propina chamada de “taxa de oxigênio” pela imprensa: “Me surpreende muito nos depoimentos o ex-governador dizer que eu fui o criador dessa taxa”.

O ex-governador também refutou as acusações de pagamento de propina ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) para fazer vista grossa para as irregularidades.

Depoimento de Cabral

Antes de Pezão, Cabral prestou depoimento ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, no âmbito da Operação Boca de Lobo, que prendeu Pezão.

“O vice-governador Pezão participou da estruturação dos benefícios indevidos desde o primeiro instante do nosso governo (da organização criminosa). Desde mesmo da campanha eleitoral e durante os oito anos em que fui governador e posteriormente tenho algumas informações a respeito (da continuidade do esquema)”, disse Cabral.

Segundo o ex-governador, o esquema começou na administração da família Garotinho. Cabral e o sucessor, na versão do emedebista, diminuíram o valor cobrado das empresas em propina.

“Antes, eram 15% a 20% pagos aos governos anteriores da Rosinha e [Anthony] Garotinho. Eu estabeleci junto com Pezão o percentual de 5%: 3% para o meu núcleo, 1% para o núcleo dele, que era a Secretaria de Obras, e 1% para o TCE [Tribunal de Contas do Estado], para aprovação das licitações.”

Lavagem de dinheiro no Arco Metropolitano

Em maio deste ano, a Polícia Civil do RJ iniciou a Operação Cerco. Entre os alvos, o ex-governador Luiz Fernando Pezão e empresários. Todos foram alvo da operação Boca de Lobo, uma das fases da Lava Jato, no Rio de Janeiro, em 2018.

A força-tarefa afirma ter encontrado uma grande movimentação de dinheiro em nove empresas que pertencem aos investigados sem que elas tivessem capacidade financeira para isso. O grupo é suspeito de crimes contra a administração pública, organização criminosa e lavagem de dinheiro.

Os investigados integraram o consórcio que ganhou a instalação da iluminação no Arco Metropolitano do RJ. As empresas do grupo também são suspeitas de fraudar pregões em diversas secretarias do RJ para fornecimento de resmas de folhas de papel A4.

Pezão teve contra si um dos 26 mandados de busca e apreensão. O ex-governador, solto desde dezembro do ano passado, depôs em casa, em Piraí.

Outro que prestou depoimento foi o ex-deputado estadual Carlos Alberto Cupello, o Tio Carlos. Os policiais fizeram buscas em sua casa, na Barra da Tijuca. Tio Carlos foi à delegacia depor.

Os policiais querem saber sobre as relações do ex-governador com os empresários e com as empresas investigadas.

A Vara Especializada de Combate ao Crime Organizado do Tribunal de Justiça do RJ emitiu ainda quatro mandados de prisão contra empresários.

Até a última atualização desta reportagem, foram presos César Augusto Craveiro e Alexandre Resende Barboza. A polícia procurava ainda por Sérgio Benincá e Luis Fernando Craveiro.

Os irmãos Craveiro já tinham sido presos na Operação Boca de Lobo, de novembro de 2018 — quando Pezão também foi preso —, mas respondiam em liberdade.

A Justiça determinou também o bloqueio de R$ 241 milhões das empresas suspeitas.

Advogado de Pezão, Flávio Mirza afirmou tratar-se “de notório constrangimento ilegal”.

“Os mesmos fatos estão sob escrutínio da Justiça Federal. Além disso, o ex-governador está afastado da vida pública, cumpre prisão domiciliar, sem contato com ninguém, e não mantém (e nem nunca manteve) relação de proximidade com os referidos empresários”, afirmou.

“Como se não bastasse, é sexagenário, diabético e teve um câncer recentemente, ou seja, é absurdo que coloquem sua vida em risco dessa forma”, emendou.

Cesar Craveiro Amorim, Alexandre Barbosa e o ex-deputado Tio Carlos não quiseram falar ao chegar na sede da Chefia de Polícia. O advogado de Sérgio Benincá não se apresentou até o momento. Participam da operação equipes do Departamento de Combate à Corrupção ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro, e da Delegacia Fazendária, da Secretaria de Polícia Civil do RJ.

Desdobramentos da ‘Casa de Papel’

Os mandados desta sexta foram expedidos após descobertas da Operação La Casa de Papel, de novembro do ano passado.

Na ocasião, os investigadores descobriram que um grupo ligado a duas empresas ganhou, em 2016, uma licitação para fornecimento de papel para o governo Pezão, no valor de R$ 10,6 milhões.

A polícia afirma que a quadrilha fez, de um mesmo computador, duas ofertas diferentes — porém combinadas — para o pregão. Investigadores localizaram uma movimentação financeira suspeita no valor de R$ 925 mil.

Durante as buscas, os policiais encontraram anotações da empresa AVDS Indústria e Comércio de Eletrônicos Ltda que tem como sócio Luís Fernando Craveiro Amorim. A empresa integra o consórcio que ganhou a licitação do Arco Metropolitano.

Com as investigações, a polícia descobriu que entre 2010 e 2019, a AVDS movimentou R$ 11 milhões, sendo que R$ 2 milhões foram créditos em dinheiro em sua conta. Isso chamou a atenção porque no mesmo período, a empresa teve apenas um funcionário e não funciona nos endereços em que está registrada na Junta Comercial do RJ e na Receita Federal.

Os investigadores constataram que esse dinheiro depositado na AVDS seguia para outras empresas. Seis delas estão tem como endereço uma mesma sala em um shopping, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Uma delas é a High End, de Alexandre Rezende Barbosa, outro preso na operação desta sexta-feira (29).

Alexandre Barbosa é suspeito de ser o responsável por movimentar as contas dos irmãos Craveiro, operando esses depósitos em série por várias contas bancárias e empresas.

As empresas movimentaram, de acordo com as investigações, recursos incompatíveis com sua capacidade financeira. Muitos dos depósitos nessas empresas são de grandes valores em dinheiro, feitos de forma fracionada e ocorridas em outros estados ou em agências bancárias próximas a comunidades.

Há suspeita de que o grupo de empresários usava o maior número possível de empresas para lavar dinheiro e dificultar o rastreamento dos órgãos de fiscalização.

A força-tarefa seguiu “um intrincado esquema de lavagem de dinheiro” que aponta para contratos do Arco Metropolitano.

Segundo a investigação, foram localizados “muitos depósitos em espécie”. Ainda de acordo com a força-tarefa, essas “movimentações fracionadas são incompatíveis com a capacidade financeira dos investigados”.

Arco Metropolitano

O Arco Metropolitano foi projetado para cortar as principais rodovias que ligam o Município do Rio a diferentes regiões do estado. Custou quase R$ 2 bilhões.

Os 71 km interligam estradas como a Via Dutra e a BR-040, facilitando o escoamento do Porto de Itaguaí, na BR-101, e desafogando o tráfego entre a capital e a Baixada Fluminense.

A obra, no entanto, é investigada por superfaturamento e sofre com insegurança. Em 2019, foram pelo menos 200 roubos a motoristas.

Há furtos também, contra os 4,2 mil postes de luz com energia solar na estrada — um a cada 17 metros. Com isso, muitos não funcionam.

A polícia descobriu que baterias são roubadas para abastecer módulos superpotentes de alto-falantes, os paredões de som. Às vezes criminosos serram as estruturas e levam o poste inteiro.

O roubo no Arco Metropolitano, entretanto, pode ter começado durante a compra do material. O Tribunal de Contas do Estado do Rio encontrou um sobrepreço de mais de R$ 4 mil em cada poste. Um total que ultrapassa R$ 17 milhões.

Para a controladoria-geral do Rio de Janeiro, os postes nem deveriam existir.

“Se a opção era fazer (energia) solar, há no mercado outras opções, como placas maiores fazendo um parque de energia solar integrada à rede do sistema”, disse Bernardo Santos Cunha Barbosa.

Como comparação, um relatório da controladoria mostra que, se tivessem sido instalados postes convencionais, ligados à rede elétrica, em 25 anos o estado economizaria R$ 55 milhões.

Alguns dos responsáveis pela obra — e alvos da operação desta sexta — foram denunciados pela Lava Jato como uma organização criminosa. César Augusto Craveiro Amorim, dono da empresa que montava os postes, foi preso no final de 2018, junto com o ex-governador Luiz Fernando Pezão.

Em depoimento à Polícia Federal, César Craveiro contou ter recebido R$ 350 mil em dinheiro do ex-governador Sérgio Cabral para instalar um equipamento ultramoderno de áudio e vídeo na casa de Pezão.

 

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