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A energia extravagante de Ney Matogrosso

Com quase 50 anos de carreira e mais de 40 discos gravados, Ney de Sousa Pereira, mais conhecido como Ney Matogrosso, é um dos maiores intérpretes do Brasil. Sempre fiel ao exercício da sua arte, Ney tem uma trajetória musical que inclui a banda Secos & Molhados, a parceria com o violonista Raphael Rabello, a gravação da obra de Cartola, trabalhos como iluminador e diretor de teatro, além de ator entre tantas outras incursões artísticas,

Desde menino, Ney de Souza Pereira, nascido em 1º de agosto de 1941, em Bela Vista, no Mato Grosso do Sul, já pensava em ser artista, embora enfrentasse resistência do pai militar e da família. Aos 17 anos, saiu de casa após uma briga com o pai e foi servir na Aeronáutica. Morou em Pernambuco, Bahia, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Gostava de teatro e cantava esporadicamente, mas acabou indo trabalhar no laboratório de anatomia patológica do Hospital de Base de Brasília, a convite do primo.

Sua trajetória musical começou em 1971 com o grupo Secos & Molhados, que, ainda em formação, procurava um cantor de voz aguda. Sua amiga Luli (da dupla Luli e Lucina) o indicou para o grupo, que contava ainda com João Ricardo e Gerson Conrad. Para preservar sua identidade, Ney decidiu usar uma maquiagem pesada no rosto, recurso também adotado pelos outros dois músicos e que virou uma característica da banda. O primeiro álbum, lançado em 1973, vendeu mais de um milhão de cópias, tornando-se um sucesso arrebatador, puxado por “O vira”, “Sangue latino” e “Rosa de Hiroshima”. Em agosto do ano seguinte, após um desentendimento financeiro entre Ney e João Ricardo, o cantor decide deixar a banda na semana do lançamento do segundo disco.

Na nova carreira solo, Ney manteve a extravagância e a postura desafiadora, figurinos ousados e presença cênica no palco, como ficou patente em seu primeiro show, em 1975, “Homem de Neanderthal”, uma superprodução onde Ney subia ao palco coberto por peles, chifres e penas, num figurino fruto da sua criação. Sete meses depois do fim do fenômeno Secos & Molhados, Ney Matogrosso conquistou sucesso de público e crítica com seu primeiro disco, “Água do céu-pássaro”, e show. Com o trabalho seguinte, “Bandido”, de 1976, fez sucesso nacional com a música “Bandido corazón”, de Rita Lee. Manteve o estilo até lançar “Pescador de pérolas” em 1987, um álbum intimista com os músicos Raphael Rabello, Paulo Moura e Arthur Moreira Lima, considerado um divisor de águas na carreira do artista.

Consagrado por sucessos como “Homem com H”, “Tanto amar” e “Sangue latino”, Ney cantou também clássicos da MPB e gravou com Astor Piazzolla, que renovou o tango argentino. Suas interpretações de “As ilhas”, de Geraldinho Carneiro, e “1964”, poema de Jorge Luis Borges, valorizadas pelo bandoneón de Piazzolla, foram gravadas em um disco, em 1975, que foi proibido pela censura. Nessa época, Brasil e Argentina viviam sob ditadura. Piazzolla, que morreu em 4 de julho de 1992, aos 71 anos, é considerado o compositor de tango mais importante da segunda metade do século XX, e gravou com outros brasileiros, como Tom Jobim.

Ney apresentou-se por toda a Europa, sendo que duas delas em edições do Festival de Montreux, na Suíça. Conquistou prêmios mundo afora, além de três discos de ouro e três de platina. No Rock in Rio, participou da primeira edição do festival, em 1985, voltando 30 anos depois. Como iluminador, dirigiu shows de Chico Buarque, Nana Caymmi e Nelson Gonçalves. Projetou a iluminação do castelinho da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro, em 1995.

Aventurou-se no cinema, atuando no curta “Depois de tudo” e nos longas “O bandido da luz vermelha” e “Luz das trevas – A volta do bandido da luz vermelha”, ganhando prêmio da crítica no Festival de Locarno pela interpretação do mítico criminoso. Foi retratado no documentário “Olho nu”, de Joel Pizzini, onde se revela. Ney repassou à equipe mais de 600 horas de programas de TV, clipes, entrevistas e gravações caseiras. Atuou também no teatro, no monólogo “Dentro da noite”.

Discreto em relação à vida pessoal, homossexual assumido, sempre falou abertamente sobre temas considerados tabus ou polêmicos desde os anos 70, período da ditadura militar, tendo capas de discos censuradas. Teve um breve, mas marcante romance com o cantor Cazuza, e foi o primeiro a gravar “Pro dia nascer feliz”, alçando o grupo Barão Vermelho ao sucesso na década de 80.

A diversidade da sua obra inclui o álbum “Um brasileiro”, de 1996, com músicas de Chico Buarque, e “Ney interpreta Cartola”, de 2002, com releituras únicas dos dois grandes compositores brasileiros. Ousou mais uma vez no disco “Vagabundo”, quando dividiu o palco com Pedro Luís e a Parede. Na turnê de “Inclassificáveis”, de 2007, voltou ao estilo exuberante com figurino criado por Ocimar Versolato. No projeto seguinte, “Beijo bandido”, surge num elegante terno, também de Versolato, num show completamente novo, mostrando como o solista consegue transitar com fluidez em diferentes formas de cantar e se apresentar. Em 2014, o CD “Atento aos sinais” lhe rendeu o Prêmio Especial do Grammy Latino pelo conjunto da obra.

Em 2015, ganhou o 26º Prêmio da Música Brasileira nas categorias Melhor Cantor de Pop/rock/reggae/hip-hop/funk e Melhor Álbum do mesmo gênero.

Já em 2019, lança o ‘Bloco na Rua’. Na capa do álbum e do DVD, Ney aparece em foto de Marcos Hermes com o capuz do figurino criado pelo estilista Lino Villaventura. É com o capuz que Ney entra em cena no espetáculo que rebobina a estética visual e musical do show anterior do artista, Atento aos sinais.

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